sexta-feira, 30 de novembro de 2007

A árvore da minha calçada


A Prefeitura
Veio
E naquela aventura
De que tudo conserva
E arruma,
Cortou,
Com desenvoltura,
Sem graça nenhuma,
A árvore que eu plantei,
Ao meio.

Porque foi e não foi,
Não sei
O porquê do leguleio.

Desfez
O que eu fiz,

Que é como quem diz,
Há mais de quarenta anos!

E não se vá pensar
Que cometeu enganos!
Era o que faltava!
Fora assim
E não viria
À frente de mim,
Como agora o fazia,
E arrancava
A árvore logo pela raiz!

Não contente,
Pintou e bordou,
(assim se fala
E assim se diz
E quem diz e fala,
Não se cala).
Arrancou
E desrespeitou
Todo o meu esforço!
-Não faça isso, seu moço!
-gritei e disse
Antes que se consumisse
Todo aquele vil esforço.

E, para que todos notassem,
Quando pela rua passassem,
A força do poder e da vontade,
Esgalharam tudo,
Tudo, tudo,
De verdade,
- a árvore arrancada
E a minha alma estraçalhada
E eu perplexo e mudo!

No arremate presunçoso
Do mal feito por bem fazer,
Enjaularam o pequeno rebento
Da planta,
Frágil e muda,
(Isso é que espanta!)
Árvore que será um dia
Se um dia o haverá de ser,
Numa tela de arame,
Uma gaiola ao vento
Onde tudo pode acontecer,
Com o gosto do mau gosto ali gravado,
num letreiro infame,
Com sabor de pecado:
-conservando a natureza!

Com franqueza,
Confesso,
ao leitor que me leu:
-Meu Deus do Céu,
Desconheço
Igual epitáfio
Escrito com tanta vileza!

S.Paulo, madrugada de 29 de Novembro.
Vasco dos santos

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

O Achamento do Brasil



O ACHAMENTO DO BRASIL

tanta água e tanto mar!
Tantas mágoas pra contar!

POEMA

“Faz muito tempo, muito tempo mesmo, quase século, que não leio um livro de poesias tão empolgante, tão forte, como “ O Achamento do Brasil”.
“ Talvez esse “ O Achamento do Brasil” tenha sido um dos melhores livros publicados em Língua Portuguesa nos últimos anos, onde Vasco dos Santos não cansa de falar da nova terra e de raça que Portugal plasmou, como poderemos ver nos versos seguintes: “Eu vi corações de índios e lusos/argamassarem-se na argamassa/que deu a massa/e pariu a raça/dos caboclos e dos mestiços e dos cafuzos”
“O Achamento do Brasil” é leitura obrigatória na casa de cada brasileiro. Isso devido à qualidade dos seus versos de profunda inspiração, onde se sente palpitar, a toda a hora, a origem e a raiz desta nova raça que despontou no Brasil”
“Vasco dos Santos é poeta de estilo personalíssimo....”
“...ou, ainda, nestes outros verso antológicos, onde o trovador assim se expressou:
”Ó almas de sonhadores aventureiros/sulcando o mar misterioso e profundo/rasgando o oceano, estremecendo o mundo/sob o brilho intenso da lua” Aristides Theodoro

“Foi longa a jornada até aqui,
Como longe foi o mar-
-caminho de longada-
Sempre a navegar.

Tanta água e tanto mar!
Tanta mágoa pra contar!

Tantas lágrimas que salgaram o mar salgado
E não puderam embarcar no cais da partida
E lá ficaram para sempre, pra toda a vida.

Em cada nau ou caravela
Vai um mastro, frme e arrogante,
Apontando num rumo certo
-o mesmo sonho do Infante..
.........................................................

Tanto mar
E tanta pressa
De chegar
Antes que aconteça
A alma desanimar
E a vontade esmoreça
Sem vontade de caminhar.

Ó almas de sonhadores aventureiros,
Sulcando o mar misterioso e profundo,
Rasgando o oceano, estremecendo o mundo,
Sob o brilho intenso da lua,
Sob o luzir do sol e das estrelas
Alcandoradas no firmamento,
Que mais esperais delas
Que o clarear da rota,
A iluminação da rua
No caminho certo do descobrimento,
Aqui tão perto, à nossa porta!

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Ó sonho louco e vão
Da vã e louca aventura!

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Tantos dias, tanto mar,
Tantas alegrias pra contar,
Tantas agonias pra lastimar.

Ó águas salgadas do mar,
Ó almas cheias de mágoas,
Ó águas cheias do mar,
Ó ondas do mar salgado,
Aonde me pretendeis levar?

Ó águas do mar sem fonte,
Ó fonte das águas do mar,
Cai a tarde no horizonte,
Vêm as saudades no luar.
...........................................................

Tanto mar e tantas águas
Ó mar das águas salgadas,
Ó mar de todas as mágoas,
Ó todas as mágoas do mar.

.....................................................

Ó âncoras dos marinheiros,
Ó ninfas do mar profundo,
Ó intrépidos aventureiros,
Descobridores do novo mundo!”

...........................................................

“Noutro local, adormecido
Num túmulo de pedras e mármore engastado,
O rei e senhor dom João segundo
Foi subitamente acordado
Para que tomasse conhecimento
De todo o acontecido.

Saiu do túmulo alvoroçado
E acorreu ao promontório de Sagres
Para confirmar o sonho de milagres
Ecoando à porta do seu túmulo
Donde o chamaram em gritos de alvoroço.

Quedou-se a acompanhar
A azáfama dos homens do mar,
A ver e observar o rumo
Das naus e das caravelas de panos redondos
A navegar,
Com as velas pandas,
A prumo,
À luz do sol e do luar, de velas enfunadas.....

..........................................................................

Pode voltar à sepultura,
Rei dom João segundo,
Pode continuar sonhando,
Sonhador Infante de Sagres,
Do famoso promontório,
Chegamos à terra da ventura,
Alcançamos a terra dos milagres,
E conseguiremos o céu
Sem passar pelo purgatório.

E as flores dos verdes pinhais
Plantados nos areais
Pelo rei-poeta-s0haverão de sonhar muito mais,
Porque dos seus troncos brotou o lenho,
Que agora singra o mar aberto
Com tanto amor e tão grande empenho!

Continua repousando,
Rei dom João segundo!
Continua sonhando
Infante sonhador
Nas rochas do promontório
Fustigado pelo mar oceano,
Bafejado pela brisa suave......

........................................................

Tudo são sonhos do rei-poeta
Tudo são sonhos do rei-profeta,
Tudo são sonhos o Infante,
O mais sonhador da história
Que, do promontório de Sagres,
Fez um mirante
Imortalizando o sonho e a esperança
E a memória!
Avante! “

.....................................................

“...E nas páginas
Do livro dos assentos,
Dos registros dos nascidos e batizados,
Dos vivos continuando a luta
E dos mortos no descanso derradeiro,
Folheei folha a folha do livro das escrituras
Deste registro do encontro e da posse da terra
Som o testemunho das potestades do mar
E dos céus onde a Eternidade habita,
Todos, por igual, espantados por tamanho acontecimento,
E, ali, apareceu o nome de todas as gerações,
Das passadas e das presentes e das futuras,
Tudo lá encontrei discriminado e vi
Que todos os que ao livro de assentos tiveram acesso
Puderam confirmar tudo isso,
Conferir a ata solene do descobrimento

Conforme se lê e reza nos registro da escritura.....

...................................................................................

E vi os índios conversos e convertidos
À volta da igreja dos missionários
Aprendendo as primeiras letras,
A aceitar a doutrina e os costumes,
A ouvir atentos as novas da Boa Nova,
A enlearem-se aos brancos e eles
Aos brancos se enlearem.

E vi corações índios e lusos
Argamassarem-se na argamassa
Que deu a massa
E pariu a raça
Dos caboclos e dos mestiços e dos cafuzos.

E vi todo o mundo atônito por isso
Porque o mundo só agora
Se dá conta de tudo isso.

Conforme se lê e reza nos registros da escritura.....”

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

O SOLITÁRIO DA MONTANHA


O Solitário da Montanha

Romance
]



A arte que tem o dom de transformar as partituras de fogo do silêncio, para aí edificar um reino de luz e de beleza, onde a palavra e a imagem constituem os achados antológicos de maior relevo, só podia mesmo sobreviver a todas as idades do homem e chegar até nós de forma exuberante e serena.
A literatura é essa arte ancestral e mitológica, pois contemporânea do homem primitivo e das religiões fundadoras da verdade e de todos os cenários de redenção e de ressurreição dos devaneios humanos e de suas veladas esperanças.
Os poemas heróicos das civilizações primitivas, as fábulas com que no passado os ensinamentos e sabedorias foram transmitidos, as gestas medievais, o teatro de destinos cruzados com que os gregos tanto se bastaram, os romances de cavalaria, os tratados filosóficos de todas as utopias políticas, o romance burguês e de costumes sociais dos séculos dezoito e dezenove são exemplos de literatura que se fez para a glória dos valores mais afortunados que o homem moderno representa.
O romance é, por essência, o maior de todos os empreendimentos poemáticos. Enquanto a poesia se faz com a estética do fragmento e da linguagem, o romance se faz com a forma, o conteúdo e a visão de mundo dos escritores mais afortunados. O romance, repito, se faz com a unidade dos arquétipos sociais e psicanalíticos, com a unidade da expressão literária a tecer os fios de ouro da semântica.
Um romance se faz com estruturas relacionais e com enredos polifônicos e assim também com gestos e ações de sentido universal e filosófico quando se trata de um romancista de talento.Existe um movimento no romance que somente o romancista compreende em um primeiro momento.
No entanto, quando o autor de um romance é, ao mesmo tempo, criador e criatura e outros universos, gêneros literários e polifonias para além da dispersão e da unidade do ser, como é o caso dos poetas e dos que sabem a arte do pensamento por imagens ( ensaístas e críticos literários de maior estofo), é claro que desse autor podemos e devemos esperar o melhor.
E o melhor, acredito, é o que podemos colher deste belíssimo romance- O Solitário da Montanha-( São Paulo, Editora Nova Aldeia,2005), última criação de Vasco dos Santos, um dos maiores e mais eruditos arautos do romance histórico e do mar salgado da escrita na literatura de língua portuguesa.
E o que este maduro romance documenta?Uma história de amor e heroísmo, uma história de movimento e de ação do espírito posicionada contra os contextos arcaicos da imensa violência do mundo. Somente a vida, louvada a partir da solidão dos que amam, faz sentido neste romance de enredo sublime, cuja leitura recomendo com entusiasmo.
Não é feita de matéria bruta a sua tessitura linear, nem de discursos formais enfadonhos é tecido o enredo exemplar desta narrativa. O autor, ao contrário, a escreveu com as tintas da paixão e a ungiu com a aliciante sintaxe da solidão e do desejo, fiel ao seu ideário de esteta e à sua vocação de escritor de estatura maior.
Restaria uma palavra a dizer sobre o enredo deste grande romance e desta grande sinfonia estilística, que tanto me tocou a emoção e o engenho, que tanto me curou da intensa agonia de viver e que tanto me curou também com o seu estupendo poder de catarse e efeitos virtuais e sinérgicos que se lêem a partir do seu articulado.
Nem tanto assim, acredito, deveria proceder um prefaciador, pois não me é lícito roubar ao leitor o prazer de aprender com a sedução da leitura. A estética da recepção existe para isso: privilegiar a interlocução, restabelecer os princípios maiores da interação e da alteridade.
Se aqui fosse somar o talento do escritor que arquitetou este livro com a erudição e o talento que sempre remarcaram a produção do romancista, do ensaísta e do poeta Vasco dos Santos, creio que teria motivos para dizer que estamos diante de um dos nossos maiores literatos.
Lícito não me seria também calar acerca da claridade estética deste texto sobre a sua leveza e concisão de linguagem, sobre a sua disciplina formal e o seu rico e diversificado conteúdo. Fica aqui a recomendação da leitura: imperdível, humana, maneirosa, sutil e desafiadora, sob qualquer ângulo em que o romance e o seu argumento aliciante possam ser examinados, para glória da literatura que hoje se pratica no Brasil.
Fortaleza, 29 de Setembro de 2005
Dimas Macedo


“.....Dumas sentiu aumentar a ansiedade e não despregou mais os olhos do alto dos penedos-juntos onde a águia se alcandorava. Parecia sisuda, de tão solene, calcando a bandeira branca com as unhas, alongando a cabeça altaneira espaço além, com os olhos estáticos, parados, pespegados no infinito. Depois, com o mesmo carinho com que estendera a felpa branca sobre a rocha gigante, a recolheu e acondicionou segura nas garras aduncas de suas patas. Num último olhar sobranceiro sobre o cume da montanha, ergueu a cabeça alongando o pescoço esbelto, bateu as asas num primeiro movimento de iniciação do vôo imponente e lançou-se ao espaço na viagem do retorno anunciado. Fê-lo com a graciosidade e magnitude costumeiras. O pano branco espadanava-se em acenos que Dumas interpretava com gesto de convite apontando-lhe o caminho dos céus, o rumo da Eternidade. Essa era a rota do seu destino. A estrada mais curta na configuração do sonho e do anseio, da utopia acalentada, da certeza absoluta a alimentar-lhe a alma em tantos arroubos de êxtases sublimados. O sublime e o belo, o esplendor da verdade, estão ali ante os seus lhos fechados na introspecção do milagre e do mistério. No rastro tracejado no céu pelos contornos da bandeira branca descobre o rumo do infinito. Permanece de pé no enlevo propiciado pelo vôo sublime da águia cortando o espaço como flecha incandescente. Irá acompanhá-la passo a passo até onde a sua mente alcança. Perderá a visão mas não a perspectiva e menos o rumo. Irá segui-la até ao infinito. É lá que mora o seu desejo. Fechou os olhos na oração inebriante a inundar-lhe a alma. Já não vê a águia e o pano branco da misteriosa bandeira desapareceu e não drapeja mais à frente dos seus olhos cansados. Envolveu-se no mistério do infinito e o seu corpo definha à luz dos olhos da alma que os do corpo não irradiam mais luz. Enxerga somente o sonho de eterno visionário que o arrancou do mundo, o separou dos homens, no caminho da nova dimensão procurada incessantemente onde o amor seja registro da paz infinda. Um grito que foi anseio da procura repercutiu do alto da montanha e cindiu os céus com o seu brado: “ Deus, ó Deus, ó Deus!” Ninguém o escutou. Ninguém.O eco era pesado como chumbo mas a sua alma tinha a leveza da bandeira branca que a águia do mistério e do sonho carregou para o infinito. Na esperança do brado angustiante e clemente, só Deus aparece.
O solitário da montanha, finalmente, tranqüilizou-se e adormeceu aos pés do Omnipotente.”


domingo, 11 de novembro de 2007

PORQUE CHORAM OS BIGUÁS- UM GRITO ECOLÓGICO

Porque Choram os Biguás
Um grito ecológico

“...No meio de tanta dor, o Biguá conformou-se e rendeu-se à evidência da tragédia – o filho jazia morto a seu lado...E deu de chorar à sua maneira – a que os humanos não decifraram ainda. Mas, o Biguá chorava”

“Milhares de pessoas olhavam para a baía, para as águas da baía que são as águas do mar que formam o mar da baía e ninguém suspeitava nada do que estava acontecendo nas águas deste mar da baía ou na baía das águas deste mar.
Milhares de turistas continuavam deslumbrando-se com as belezas das águas do mar da baía e permaneciam de olhos abertos tentando guardar as imagens belas destas belas águas da bela baía do mar.
Milhares de banhistas usufruíam das delícias das águas do mar da baía, mergulhando, nadando.......
Milhares de outros freqüentadores passeavam por sobre a maciez das areias brancas da praia imensa ou nelas se deitavam ou nelas se enterravam ou nelas brincavam ou nelas se amavam – o que era freqüente- e, ali, se quedavam ao acalanto das ondas remansosas do mar da baia, da baía do mar, sacolejando os corpos enrolados nas areias soltas e evolando as almas na espuma branca a beijar-lhes os pés, a coçar-lhes a planta dos pés, a acariciar-lhes a pele bronzeada pelos afagos do sol escaldante dos trópicos do mar-oceano e eles devolviam tudo às águas azuis do mar da baia engolindo os beijos e os derriços e os amores e os enleios e os prantos e as dores e os milhões de anseios com que enleavam os corpos nas ânsias incontidas que lhes adornavam as almas invisíveis nos sonhos do encanto e da ilusão sofrida.
Somados todos estes milhares de seres existentes à frente das águas azuis deste mar da baía, da baía deste mar, é fácil pressupor-se que se trata de milhões de humanos continuando a passar olhando e a passar desfrutando da beleza das águas do mar da baia deslumbrante.
E, ali, até quanto se possa avaliar, todos os olhares destes milhares e milhões de humanos perderam-se no horizonte.......ninguém enxergava nada e cada um acreditava só no que via, que era o nada que se podia ver além disto – o enxergado e o visto que ninguém via.
E foi por causa desta limitação visual dos humanos que a imensa fauna que nas águas da baía mora e passeia, nela nasce e vive e morre e se alimenta ou sobrevive nos manguezais circunvizinhos e limítrofes, se resolveu a unir esforços, na solidariedade que lhes é imanente, enfrentando a sobrevivência.
Dado o alarme do vazamento do óleo da imensa refinaria, pelos peixes que viram primeiro e pelo Biguá, logo em seguida, a fauna se pôs em polvorosa.”

“O Biguá tomou o comando da parte que lhe dizia respeito e conclamou todos os demais componentes da fauna da baia e cercanias a somar esforços na luta que se afigurava descomunal entre a vida e a morte.”
“Como os humanos, também eles eram milhares, somavam milhões e equilibravam o tão propalado ecossistema, sem eles impossível de ser mantido”.
“ A tragédia é que os humanos sabiam desta sua imprescindível contribuição ao equilíbrio ecológico mas pareciam ou fingiam ignorar esta afronta suicida.”
“Um ar de pânico deu de carregar o ambiente e o que se pôde ver foi uma correria aflita e desengonçada e sem rumo da infinidade de caranguejos e similares, desarvorados e aflitos, procurando cada qual a sua toca e seu esconderijo, nela se protegendo, na esperança ilusória de, assim e desta maneira, escapar do desastre fatal”.
“Dava, até, para rir, no cúmulo e no patético da cena, vendo a aflição dos atônitos artrópodes.Atropelavam-se, engalfinhavam-se em brigas grotescas e de desespero e, na porta de muitas tocas, o tumulto deixava à mostra, patas e membranas e demais pedaços dos seus corpos, estraçalhados uns, outros mutilados de todos os modos e maneiras, todos, igualmente, patenteando a fúria da luta pela sobrevivência, travada de forma tão singular e violenta, no areal onde sempre conviveram pacificamente, mexendo-se, ainda, pulando em acrobacias que o último sopro de vida acalentava nos momentos que antecediam a morte, aos pulos e aos saltos que eram protestos inócuos de angústia e desespero, num bailado estranho, ao ritmo do estrebuchar da agonia, formando um espólio dantesco no rescaldo da pugna caricata aos nossos olhos mas triste pelo seu significado, marcando a ansiedade em conseguir segurança num abrigo deficiente. No fundo, era patético”.
“Mal sabiam eles que de lá sairiam, os que pudessem, a toque de caixa, se tal conhecessem, mas com a boca e os pulmões atochados do veneno mortal da hecatombe do petróleo para morrer na praia – escárnio da linguagem retratando o desespero e a morte”.
“Este trágico suicídio coletivo mancharia o homem como mancharia as águas do mar da baía....”

“....Vida de pescador é assim mesmo.O pescador é homem do mar, nele mora e habita.É do mar que vive. De lá retira o seu sustento.À terra só desce nas horas da precisão. Vai pra descarregar o peixe.Vai pra consertar o barco. Vai pra remendar a rede. Vai pra abastecer o barco. Vai pra retornar ao mar de barco. Vai pra carregar os suprimentos com que se alimenta no retorno ao mar. Vai pra voltar de barco mar adentro, oceano além, até encontrar peixe, até que houver e que Deus dê. O pescador é um homem do mar”.
Felipe disse isto tudo em voz alta para si mesmo – talvez quisesse dizer tudo isto para os peixes o ouvirem. Mas, os peixes estavam todos mortos e não ouvem nada ainda que se trate da voz de pescadores vivos”.
“Felipe talvez quisesse dizer tudo isto para as gaivotas buliçosas e atrevidas cortejando o percurso do barco até à praia ou ao cais do destino, vigiando a rede carregada do cheirum dos peixes, o barco adernando cheio de peixes, engrossando este cortejo embandeirado de fartura e glória, onde o pescador e os peixes são personagens primeiros desta procissão farta de alimentos e de aves marinhas.....”
“Felipe talvez quisesse dizer tudo isto a Iemanjá – rainha do mar de todas as baias do mar. Mas, Iemanjá, envergonhada, permaneceu nos fundos do mar,recusando-se a olhar de perto o assassinato inglório dos moradores do seu reino e súbditos do seu império”.
“Felipe, talvez quisesse dizer tudo isto para Deus dos Céus e para os anjos e os santos e os arcanjos e os querubins e os serafins e as potestades incontáveis que semeiam o cosmos misterioso e infinito...”
“Felipe, talvez, quisesse dizer tudo isto só para a sua alma ......também não pactuava com esta destruição em massa e recolheu-se ao mais profundo do seu âmago chorando m silêncio”.
“Felipe talvez quisesse dizer tudo isto e nem ao certo soubesse para quem teria de dizer isto tudo que ele dizia sem ouvir resposta de qualquer espécie”.
“O pescador Felipe passara todos aqueles dias abrindo covas extensas para enterrar os peixes e os caranguejos e os Biguás mortos.”
“Cansado, sentara-se à sombra do manguezal.Acabara de cobrir a última cova aberta onde enterrara uma infinidade de criaturas mortas.........o caranguejo parou de se mexer e, num esforço doloroso, virou-se de costas...mexeu lentamente os tocos locomotores que lhe restavam apensos ao corpo, quedando-se em definitivo na inanição crepuscular da vida. Estava morto. Felipe deu-se conta.....Pegou-o nas mãos e ficou a olhar-lhe o corpo mutilado e enegrecido pelo óleo escuro durante algum tempo. Visão macabra”.

“............Com as mãos, o pescador alisava o monte de areia encimando a cova rasa onde jogara o caranguejo mutilado..... recolheu-se dentro de si e deu de falar com a alma, como se rezasse a oração que agradaria aos céus. E assim formulou a prece:
“ Senhor, vós que criastes o homem à vossa imagem e semelhança e o fizestes rei da criação e lhe destes os animais e as aves e os peixes e os crustáceos, os frutos da terra e do mar, para que deles se alimentasse e subsistisse, o fizestes com a dignidade devida a todo o ser criado, tende piedade do homem que criastes e a quem recomendastes a preservação da natureza.Compadecei-vos, Senhor, da humanidade que na ambição e na ganância desmedida deposita a alma e escraviza o corpo. Tende piedade e misericórdia da criatura humana, fruto do pecado do egoísmo. Não permitas mais, Senhor, que a natureza seja agredida e que a vida dos mares e dos rios, dos vales e das montanhas permaneça para sempre a salvo, usufruindo do encanto e da beleza que lhes destes no ato sublime da criação do mundo. E, por fim, perdoai-nos, Senhor, os crimes perpetrados pelo homem contra a natureza e afastai esse pecado da humanidade para sempre, amen”.......

“O pescador pegou o Biguá exangue, agonizando, aconchegou-o ao peito e, antes de o socorrer, jogou uma pedrada atingindo em cheio o urubu a fita-lo com aqueles olhos de arrogância insolente e provocadora.”............................
“Fazia tempo que o Biguá rodeava o filhote........Chegou até ali mas caiu de morte na areia da praia, debatendo-se no estertor da morte.....Já o arrastara o quanto pudera.Puxara-o pelas asas, empurrara-o pelo bico, pelas patas, a todo o corpo ajuntara forças tentando liberta-lo”.
“....No meio de tanta dor, o Biguá conformou-se e rendeu-se à evidência da tragédia – o filhote jazia morto a seu lado..... Tinha a certeza de que estava morto. E deu de chorar à sua maneira – a que os humanos não decifraram ainda. Mas, o Biguá chorava...........................”
“Quando, pela madrugada, Felipe, o pescador amigo dos peixes e dos Biguás, se encaminhava com o seu barco na tentativa de pescar alguma coisa, deu-se conta do que se passara, ali, durante a noite.
“ Aproximou-se. O Biguá- vivo agonizava de bruços sobre o filhote morto. Ao redor, nas areias revolvidas, os indícios de briga violenta. A um canto mais adiante, o Urubu, com um olho vazado e caído da órbita, sangue escorrendo pela cabeça, rodopiava sem cessar em volta de si mesmo, num rodar de angústia e dor que o entontecia – mariposa enlouquecida e tonta no bailado sem retorno em volta da luz da lamparina.
“Felipe pegou os Biguás mortos e foi enterrá-los numa cova que abrira a dois passos.O Urubu, num supremo acúmulo de forças, alçou vôo rumoroso mas desnorteado e sem rumo até engasgalhar-se no cume da ramagem do arvoredo do manguezal onde se enfronhou com o ruído da agonia e ânsia da morte”.

“ Os Biguás vinham em revoada.Era um retorno festeiro.....Nem Felipe esperava que eles aparecessem tão já, como todos os outros pescadores, embora o ansiasse.....
“O certo é que os Biguás estavam ali e com eles a vida voltou a pulular nas areias e nas árvores do manguezal....
“A um canto, Felipe, de pé, solitário, compartilhava, à distância, da alegria e do sorriso destas criaturas tão expansivas com o regresso ao seu ninho e não se cansa de olhar aquilo.”
“Era um milagre, dizia”.
“Contagiado pelo extravasar tão alegre da chegada destes seus irmãos de raça, o seu Biguá readquiriu todas as forças perdidas. Revigorou-se, bateu as asas, ergueu-se, deu dois, três, perdeu a conta dos passos e, num vôo confiante, emparelhou com outros Biguás, esvoaçou por sobre as águas serenas da baía, viu, outra vez, do alto, as terras do seu reino, as águas das suas terras, o espaço dos seus domínios e, de regresso, num vôo rasante, raspou pela cabeça do seu protetor amigo e pousou no mais alto das árvores do manguezal.Equilibrou-se e olhou firme para o velho pescador, numa homenagem de gratidão. Cruzaram-se os olhares – Biguá e pescador, homem e animal, a natureza ali representada pelos dois seres que, igualmente, fazem parte do mesmo universo. Felipe firmou seus olhos marejados de lágrimas de sabor eterno, repassadas de amor à natureza que o envolvia, nos olhos de gratidão inexplicável do Biguá agradecido. Não sabe como mas, ambos choravam.”


terça-feira, 6 de novembro de 2007

CARMEN 47 SONETOS+UM



"A morte carrega a solenidade do mistério e o questionamento do absurdo. É a sensação que subsiste ao contato direto com ela... A solenidade da poesia, que se atribui ao soneto , foi, de fato, proposital, com o intuito de, solenizando a morte, perenizar a vida."- O Autor
Carmen 47 sonetos + um

“A morte carrega a solenidade do mistério e o questionamento do absurdo”- Vasco dos Santos

Soneto I

Se, dormes, mesmo assim, o sono lento,
Igual a existência te consente,
A vida não se acaba de repente
Em ânsia de viver final momento.

Se indagas, em murmúrios, tal lamento
Que a razão desconhece por ausente,
Algo que não se enxerga está presente
Nos teus suspiros leves como o vento.

Deixa que se esparrame no teu leito,
Onde a luta final se desenlaça,
A translúcida luz pela vidraça

E continuarás viva doutro jeito
Porque a vida se vive quando passa
E a morte amiga vem e nos abraça.

S.Paulo,21 de agosto,2006-domingo-3,40 da madrugada, quarto de nº 911 do hospital alemão.
Soneto VI



Os versos que faço burilei
Dentro do coração, como lembrança
De um amor carregado de esperança,
Em dias, tantos são que nem mais sei.

Pensei-os um a um e os alberguei
Bem dentro d´alma – brisa suave e mansa
Dum sonho de sorrisos de criança-
E, dentro de mim mesmo, lá, guardei.


Depois, é sempre igual o doce encanto
Das almas que o mistério mais sublime,
Transparente à verdade que redime,

Apaga a dor intensa do seu pranto,
E o caráter divino à alma imprime
E no sorriso eterno se reanime.



São Paulo,30 de Agosto 2005

Soneto VII



Estavas tal qual eras – graciosa,
Envolta na mortalha revestida,
Apartada de mim, no adeus à vida
E a face tão tranqüila – cor de rosa.


A morte, assim, brutal e insidiosa,
Sem um sequer adeus à despedida,
Partiu sem ser notada ou percebida
Pra viagem sem termo e dolorosa.


É o sinal do começo, como queiras,
Assinalando o modo de viver,
Quando a vida começa a acontecer

Ao cabo de jornadas passageiras,
Tão iguais entre si pra renascer
Nos umbrais de outro mundo a conhecer.



São Paulo, 30 d agosto de 2005- 21,30
Soneto X



Ainda que me veja no teu rosto,
Ainda que te sinta ao pé de mim,
Ficarei avaliando porque assim
Tão cruel foi comigo o mês de Agosto.



Ainda que findasse o meu desgosto
De perder quem amei como o jardim
Que plantastes de rosas e jasmim,
Minha alma sangrará como o sol posto.


Mas, depois, porque a vida nos seduz,
Quando se nasce e vive em harmonia,
Não há tristeza ou dor, mas alegria


Translúcida, tão clara como a luz
Que, à escuridão da noite, apõe o dia,
Regendo o universo em sinfonia.





São Paulo, 1 de Setembro,20055ª feira, 6h

Soneto XVI



Vou subindo as escadas, uma a uma,
no corrimão da vida a que me atenho,
Caminho sempre só, fiel ao desenho
Que o Arquiteto-Mor traça e apruma.


Na vida, também sei, tudo se arruma,
C´o a força igual coragem e muito empenho,
Nem as ondas do mar quebram o lenho
Sulcando, mansamente, em véus de espuma.


Pois, se eu, ainda assim, posso viver
E suportar a dura privação,
A saudade que oprime o coração


Tem a força que faz reacender
O facho que dissipa a solidão,
Cintilando em teu rosto num clarão.







São Paulo, 3 d Setembro de 2005- sábado, 11,30

Soneto XXI



O Bem-te-vi, de longe, vem chegando,
Com a manhã rompendo, mal, ainda,
Carregando alegria quase infinda,
E a cantar, se aproxima, gorjeando.



Desperta-me do sono e, me acordando,
Traz-me recordações e nunca finda,
Com seu doce cantar, assim, me brinda,
A tua ausência, amor, recordando.


Entra janela adentro ew corre a sala,
Olha pra todo o lado e não te vê,
E, perturbado, estanca e já não crê,


No seu tristonho olhar, então, se cala
E vai embora triste – eu sei porquê- ,
Procurando por ti:- cadê, você!







São Paulo, 7 de Setembro, 4ª feira, 2005, 7,20
Soneto XXXIV




Garoa mansa e fina cai na rua
Num ritmo cadenciado e incessante,
O corpo me fustiga a todo o instante
E a alma sacoleja pobre e nua.



Sarjado em lanhos ocres como a lua,
Que a noite soluçou agonizante,
Os passos decalquei de caminhante
Que se atirou à vida e continua.



Restaram só pegadas, nada mais,
Decalcadas no pó argamassado
Com sangue e. no suor, tudo ensopado,


Ao gorjeio das aves matinais,
No solidário amor amalgamado
Que, na alma, me deixou assinalado.











São Paulo, 15 de Setembro de 2005, 5ª feira, 5h
Soneto XXXVI



Revejo-te na face adormecida
No sorriso da morte assinalado,
À luz do sol, no rosto iluminado,
No adeus suave à tarde da partida.



Em balbucios, na prece oferecida,
Rezavas, no silêncio, em tom sagrado,
No coração humilde, recatado,
Por isso, a reverência te é devida.



A dor de, assim, partir, é lancinante
Pois a vida se exaure de repente
E a morte, embora incerta, está rresente


No d´senlace brutal, tão impactante
Que a Eternidade, ali, se finge ausente
Se a bondade divina o não consente.










São Paulo, 16 de Setembro ,2005, 6ª feira, 17,45

Soneto XXXIX



Alma alegre e sublime a que te aninhas
No regaço de Deus que sempre amastes,
Relembra o doce amor que me deixastes
E, assim, possas rever saudades minhas.



Afagos, à distância, como adivinhas,
São requebros do amor que me jurastes
E sempre me dizias e falastes
Que o teu amor é meu no meu que tinhas.


E, pois, se a vida, assim, não se encurtou
Ao longo do caminho percorrido,
Determinado foi e conseguido,



Se tudo aconteceu, tudo passou,
E se o viver sem ti não faz sentido,
Segreda o falar doce ao meu ouvido.









São Paulo, 23 de Setembro de 2005, 6ª feira, 9,10

A Última Página




Por derradeira ser, aqui descansa
A página final disposta ao vento,
Condensando meus versos sem talento
À luz bruxuleante da esperança.



Por mares naveguei que a alma alcança
Rasgando longas rotas de tormento,
Por oceanos de angústia e sofrimento,
Antes de recolher-me à barra mansa.



Nos rescaldos ardentes do deserto,
Em marchas alongadas, quão imensas,
Alcancei, finalmente, o rumo certo


E o caminho rasgou-se a céu aberto,
Com o sol clareando as rotas densas
E Deus, que andava longe, ficou perto.