quarta-feira, 27 de junho de 2007

ÚLTIMA PÁGINA



Por derradeira ser, aqui descansa
A página final dispersa ao vento,
Condensando meus versos sem talento
À luz bruxuleante da esperança.

Por mares naveguei que a alma alcança
Rasgando longas rotas de tormento,
Por oceanos de angústia e sofrimento,
Antes de recolher-me à barra mansa.

Nos rescaldos ardentes do deserto,
Em marchas alongadas, quão imensas,
Alcancei, finalmente, o rumo certo

E o caminho rasgou-se a céu aberto,
Com o sol clareando as rotas densas
E Deus , que andava longe, ficou perto.


In “Carmen 47 sonetos + um”

quinta-feira, 21 de junho de 2007

CAMÕES - soneto




Em sepultura rasa à terra desce,
Envolto num lençol de linho esgarço,
Num cortejo dolente, a passo a passo,
O corpo do poeta que apodrece.

Do Tejo, mais abaixo, evola a prece
Que as carpideiras musas, num abraço,
Vieram estampar no rosto baço
Em lágrimas que a Pátria não merece.

Se o remorso de ver partir o Vate
O perdão conceder aos lusitanos,
A salsugem do mar dos oceanos

Será o sal eterno que se esbate
Sobre o peito daqueles mais humanos
Que levaram a morte e os desenganos.


S.Paulo, junho de 2007-06-20 Vasco dos Santos

quinta-feira, 14 de junho de 2007

A Procura do Reencontro


No princípio,
Quando só o Verbo havia,
Não era nada
E o nada existia
Debaixo do tudo
Que não se via.

E o mais e o resto
E a imensidão
E o infinito,
Eram a ansiedade
À procura da verdade
Rastreando o meu grito.


Foi preciso
Procurar o reencontro
E rever-me a mim mesmo
Dentro de mim...

Afinal,
Nós somos assim
E é preciso
Estar-se sempre pronto
Para adentrar o Paraíso.

S.Paulo,15 de Junho,2007-6 ª feira-5,37

sexta-feira, 8 de junho de 2007

evocando Camões

Evocando Camões

O poeta,
Deitado
Na sepultura rasa,
Deixou a porta aberta
Pra poder sair de casa.

Deslumbrado,
Pelas previsões do futuro,
Fechou a porta e disse:
-eu juro!

E cumpriu o juramento
Com tal arte e desvelo
Que ninguém pode esquecê-lo.

Cumpriu e fez.

Ao morrer,
Pobre e cego,
Confirmou ao dizer:
-Sou português
E não nego.

Causou espanto
A voz do poeta mudo
No seu linguajar de canto
De quem fala e canta tudo.

Dorme o vate
Sono profundo,
Ouvindo o seu idioma falado
Por toda a parte,
Nas sete partidas do mundo!


S.Paulo,8 de Junho de 2007-06-08
Vasco dos Santos

sábado, 2 de junho de 2007

A Esperança a que me agarro

O que não presta
Joga-se à rua,
Ao lixo se lança
No cesto
Ou na calçada
Sem qualquer laivo de esperança.

É tudo resto,
Não vale mais nada.

Velho e roto,
Não merece o azedume
Dum azedo arroto
Ou o ai dum queixume.

A vida de morto
É morta
E, até, o direito se entorta
Adentrando o limiar da porta.

É difícil julgar coisas mortas
Nos dias do desacerto
Que não suportas
Emaranhado na miragem
Do deserto.

Vou procurar coisas vivas
No esvoaçar rendilhado das gaivotas
Que me deixam cativas
Nas marés mansas a que aportas.

Encontrar-me-ei
A mim mesmo
Nos versos deste poema
Que formulei
A esmo
Na resolução do teorema
Em que tropico,
Bato e caio
E desmaio
E me complico.
.......
Em cada coisa em que esbarro
Procuro a esperança a que me agarro.

In “ Poemas dum Diário Inacabado”
Dia 4- livro l- 1989

Vasco dos Santos