sexta-feira, 27 de abril de 2007

O Achamento do Brasil

O Achamento do Brasil

Canto I

Senhor, embora a água seja clara e mansa,
O capitão atirou os olhos pela janela,
Como se vislumbrasse na miragem dos sonhadores dos mares,
Que se norteiam pelo cintilar dos astros,
Pela luz que se reacende no brilho da estrela
Do norte e da guia,
A luz que o caminho delineia
E a escuridão alumia,
A ver se o remanso das águas
Aflora das ondas e das fragas
Tentando conseguir reanimar
A armada cansada da viagem
E a boa singradura da esperança
Possa acolher a formidável esquadra navegando,
Disposta a dar a volta ao mundo
Na rota traçada por el-rei D.João II.
E a teimosia destes marinheiros é tanta
Que no mar fazem cama e escavam túmulos,
Erguem palcos iluminados a céu aberto,
Convocam os anjos e as potestades a nele tomar assento
E enfrentam tudo - a calmaria das águas, a ira do oceano,
A traição do mar e a fúria do vento.

Foi longa a jornada até aqui,
Como largo foi o mar
-caminho de longada-
Sempre a navegar.

Tanta água e tanto mar!
Tantas mágoas pra contar!

Tantas lágrimas que salgaram o mar salgado
E não puderam embarcar no cais da partida
E lá ficaram para sempre, pra toda a vida.

Em cada nau ou caravela
Vai um mastro, firme e arrogante,
Apontando num rumo certo
- o mesmo sonho do Infante.
Em cada navio vai um mastro
Demarcando um só destino
Todos seguem o mesmo rastro
Tracejando igual caminho.


Tanto mar
E tanta pressa
De chegar
antes que aconteça
a alma desanimar
e a vontade esmoreça
sem vontade de caminhar.


Ó almas de sonhadores aventureiros,
Sulcando o mar misterioso e profundo,
Rasgando o oceano, estremecendo o mundo,
Sob o brilho intenso da lua,
Sob o luzir do sol e das estrelas
Alcandordas no firmamento,
Que mais esperais delas
Que o clarear da rota,
A iluminação da rua
No caminhar certo do descobrimento,
Aqui tão perto, à nossa porta!

Tanto mar
E tanta pressa
De encontrar
A terra que se procura
E o ânimo não esmoreça.

Alvíssaras, ó ondas do mar,
Das naus e das caravelas
Sulcando no dorso do oceano
Ao brilho do sol das estrelas
Iluminando e apontando
O porto da boa singradura
Que é a meta de todas elas.

Ó sonho louco e vão
Da vã e louca aventura!

É aqui! É aqui!
Alvíssaras, capitão!
Esta terra é nossa,
É nosso este chão!

E, o capitão,
Com o porto seguro na mão,
Recuperou as forças gastas na travessia.

Tantos dias, tanto mar,
Tantas alegrias pra contar,
Tantas agonias pra lastimar.

Ó águas salgadas do mar,
Ó almas cheias de mágoas,
Ó águas cheias do mar,
Ó ondas do mar salgado,
Aonde me pretendeis levar?


Ó águas do oceano profundo,
Águas do mar, do mar sem fundo!

Ó águas do mar sem fonte,
Ó fonte das águas do mar,
Cai a tarde no horizonte,
Vêm as saudades no luar.

Vejo as enfunadas velas
Nas bocas das singraduras,
Quero velejar com todas elas
Nesta terra de venturas.

Tanto mar e tantas águas,
Ó mar das águas salgadas,
Ó mar de todas as mágoas
Ó todas as mágoas do mar!

Soluçam no turbilhão das vagas
Canções de crianças a ninar,
Quantas ilusões perdidas,
Quantas esperanças prometidas,
Quantos sonhos por realizar
Nos tens roubado, ó mar?

Ó âncora dos marinheiros,
Ó ninfas do mar profundo,
Ó intrépidos aventureiros,
Descobridores do novo mundo!


Do livro "O Achamento do Brasil"

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