quinta-feira, 3 de maio de 2007

JÁ NÃO RECEBO CARTAS DOS MEUS PAIS

Já não recebo cartas dos meus pais

Já não recebo cartas dos meus pais
Como antigamente recebia.
Eles não me escrevem mais
Nem mandam a outrem que o faça
Segundo o costume que havia,
( até perdeu a graça)
Mesmo porque não há ninguém
Mais capaz de ditar uma carta
Igual à que o meu pai ditava
Porque só ele é quem sabia
Como uma carta se escrevia
E o teor que a carta comportava.

Com palavras e frases sentimentais
Entremeadas de substantivos e verbos e adjetivos
E nomes e pronomes próprios e comuns
E toda a pontuação complicada
De pontos e vírgulas e exclamações
( eram traços de soluços envoltos
na saudade dos corações)
e todos os sinais gramaticais
e consoantes abertas e mudas
e todas as vogais sonoras ou sisudas
e muito mais...muito mais

Como tudo passou!
É verdade
Sempre restou
A saudade!

Cada carta
Além do invólucro
E do papel
E do selo
E do carimbo
E do lacre
( conforme a exigência e o segredo)
carregava
a forte evocação
de ler e reler
o escrito.

Toda aquela
Escrita
Era um ritual,
Uma fartura
De saber
E cultura.
Tudo está proscrito,
Em desuso.
Talvez,
O mundo, cada vez,
É mais confuso.
Não há mais lareira
Àquela igual
Da mesma maneira,
Nas aldeias de Portugal.
Não há mais candeeiros de petróleo,
Nem luz de azeite da candeia
Ou do lampião,
Não há,não.
Nem serão
Ao luar da lua cheia
Na solidão
Pacata
Da minha aldeia.


A solidão
Mata.
A ilusão
Só maltrata.

É que a minha aldeia,
A minha, aquela
Que é minha
Porque eu sou dela,
Apesar de tudo
Ainda existe.
Quem partiu,
Fui eu.
Quem não existe mais
E nem mais me escreve
Cartas como dantes fazia,
São os meus pais.
Até breve!
Até um dia!
Até mais!
Adeus!
Saudade!









S.Paulo-14/11/01 –4ª feira- 16h

In Poemas dum fazer desfeito- Livro I
vasco dos santos

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